Conheci Luiz Fernando Valporto Tatagiba, no acender das luzes da década de 70 (estas luzes eram de tiros dos fuzis militares), em Vitória-ES, quando fui tomar um cafezinho, numa lanchonete da Rua Sete, e Tatagiba estava num canto tomando seu enésimo cafezinho. Em suas mãos reluziam recortes de jornais, enquanto seu olhar volteava pelo ambiente, contornando sua amarga mania de perseguição (quem não a possuia naquele tempo?). A nossa comunicação foi imediata. Já nos conhecíamos milênios atrás, pois naquela época, a forca da restrição ao conhecimento era tão violenta, que os jovens adquiriam uma forma de comunicação subliminar no primeiro contato.
A maldita Ditadura rangia seus dentes nos preâmbulos da capital do espírito santo e Tatagiba me fez um convite para sentarmos na Praça Costa Pereira, porque ali, entre os loucos e as prostitutas, se encontrariam uma quase dúzia de intelectuais para discutir a situação crítica em que vivia nosso País.
Como vou escrever artigos para abrir a consciência do nosso povo sobre esta época em que vivemos, pretendo começar por este primeiro elo de amizade que foi forjado nas meias sombras noturnas das madrugadas dentro a fora na Praça Costa Pereira: meu mestre primeiro Luiz Fernando Valporto Tatagiba.
Talvez tenha sido o meu maior amigo até hoje e sua morte no final dos anos 80 não matou em mim sua lembrança permanente. Com ele dividi livros, idéias, sonhos, cafés, sanduiches, cigarros e amortecíamos o choque insuportavel do declínio de uma civilização, que ele percebia como um perito e eu começava a intuir o que poderia vir a ser do que já estava sendo feito.
A Nação mergulhava num orgasmo e num delírio através de uma massiva propaganda facista e nós estudávamos detalhadamente a psicologia do facismo e do nazismo, para perceber o destino que nos esperava. Éramos meninos mas não éramos crianças como os adultos suficientes de infantilidade adocicados pelas sereias das cantilenas militares.
Tatagiba no grupo era o que mais sorria um meio sorriso que nunca floresceu numa gargalhada porque era o que mais sofria, pois sua concepção de mundo adentrava-se no coração do sistema como um sonar captando as ondas menos perceptiveis que fossem aos olhares dos homens comuns.
Seu vulto esguio ganhava a popularidade da classe intelectual e a antipatia geral da classe reinol da ilha provincial daquele momento, movimento este oscilatório nos becos coloniais que de uma certa forma provocava um choque visivel a cada passo nosso de todo dia.
Ele andava cabisbaixo, porém com a alma erguida, porque tinha absoluta certeza do que pensava e do que transmitia seja em contos ou poemas, porque além de tudo, ganhava concursos literários por onde se inscrevia.
Mas a censura militar nos acompanhava como uma fera no deserto e para driblar seus torquemadas, fingíamos que estávamos num papo de conversa fiada, porque ainda naquele tempo sem a presença efetiva da televisão, os pés de conversa nas calçadas das ruas, onde famílias se sentavam para falar da coisa nenhuma da mesmice de tudo, era o quadro mais comum da sociedade. Então nos aceitavam na Praça Costa Pereira, porque eram frutos da mesma estação social.
Continuaremos a dialogar nos próximos artigos.
Um abraço do Prof. José Luiz Teixeira do Amaral
Divino instantâneo de Fernando Tatagiba, inesperadamente escrito pelo primo José Luiz. Digo inesperadamente por dupla alegria: por reencontrar o primo e sabê-lo escrevendo. Virei sempre aqui.
ResponderExcluirPEDRO J. NUNES
Obrigado, um comentário de Pedro J.Nunes, este grande escritor, é motivo de orgulho para mim.
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