Neste final de ano, prometo não prometer nada.
Não tenho nenhuma intenção idiota de emagrecer, pois não serei um dançarino da chuva, daqueles que bailam se desviando dos pingos que surradamente lhe caem sobre a cabeça, sem dó nem piedade.
Não pretendo pedir desculpas a torto e a direito, ao ponto de sair por aí cambaleando de tanto tomar cacetadas pelos ombros e ainda ter a docilidade infantil, ingênua e piegas, quiçá religosa, de desculpar-se.... por sinal não inventei o mata borrão das culpas. Nada de ser imbecil. De sofrer pela acusação da qual estou mergulhado na banheira da inocência. Isto só faz realimentar a lareira dos sádicos e como num jogo de dominó expandir a dor a outrem.
Também não tenho nenhuma vontade de distribuir milhares de perdões e pedidos implorados de perdão. Não nasci deus, porque não me deram nenhuma escolha graças a Deus.
Por favor não me mandem estas banalidades escritas em letras de purpurina de que tudo vai ser diferente. Aprendam que a diferença está debaixo de nossos narizes. Peço que não me analisem como masoquista. Pelo contrário, a verdadeira alegria de viver está neste momento único da existência, que é esta presença permanente diante de si, de todos e de tudo.
Não tenho a mínima intenção de ser mais pontual do que sou. Não quero ir além da precisão do quartzo e nem da cordial pontualidade inglesa. Nem da memória do silício, que revolucionou o mundo sendo apenas um mineral. Não quero copiar ninguém. Não sou simulacro de outrem. Não nasci para riscar na areia a sombra que não me pertence.
Não serei mais sábio. Pelo contrário, esvaziarei ao máximo que puder. Quem sabe quanto menos souber, mais perto estará da simplicidade. Também não prometo ser mais simples do que sou. Isto é cafonice, para não dizer idiotice ou pieguice no seu mais real sentido.
Não faço nenhuma promessa para o próximo ano que será daqui a pouco e que não é tão próximo assim, porque nada é estático no tempo e nenhuma coisa está lá na frente à nossa espera; quando o que temos realmente é este instante que acaba de escapar pela fresta do tempo.
Não engolirei sapos. Não sou cobra. Nem acredito na esperteza delas. Guardo comigo apenas a figura mítica, o recado de seu trajeto kundalínico e que o resto vá plantar batatas, se quiser.
Não virei com este discurso idiota de um mundo melhor. "Eu desejo um mundo melhor para todos vocês!" Ah! Meu Deus, me afaste desta maneirice de final de ano. Faça-me que seja simplesmente como sou, assim mesmo. Deste jeito está bom demais. Não nasci para touradas um ano e acender as luzes de um clausuro instantâneo numa virada de trinta e um para primeiro, como um santo louco nascido à revelia.
Caso participe de algum jantar que eu não faça dele uma festa de gala. Não, de forma nenhuma. Não poderei me perder na correnteza dos que se subjugam aos ditames midiáticos. Não deixarei de contemplar cada gole de água bebido em copos simples no dia a dia. Não perderei a magnificiência dos grãos cotidianos dando-me neurônimos, sangue, músculos, pensamentos pela leveza de cada pão nosso diário.
Prometo não ter alegria ao extremo. Melhor andar o caminho às vessas do que percorrê-lo como um almofadinha. Darei os mesmos sorrisos pelo meio do caminho, de onde posso avaliar as suas margens.
Nem inclusive irei admirar os festivais de fogos com dinheiro gasto que daria para abastecer mil creches em um ano. Não entrarei nesta jogada. Continuarei pela contemplação permanente de tudo que há em meu redor, do milagre infinito da existência.
Deixem que me chamem de louco, imbecil, visionário, desde que eu continue a amar tudo que é belo na natureza.
Para que prometer tantas coisas inúteis, sendo que há tantas outras úteis e maravilhosas para serem feitas simplesmente por fazer! Continuarei a correr atrás das borboletas, mesmo depois de uma certa idade.
Não posso desviar do meu caminho e ficar nesta imbecilidade de todos. Posso correr o risco de não olhar mais para aquela estrela vespertina e piscar os olhos para ela, numa atitude de Carlitos.
Por isto não prometo nada a ninguém. Não cairei de forma alguma neste redemoinho popular de babaquices e trocas de figurinhas. Continuarei a admirar o horizonte ao entardecer. Ficarei na minha. Não farei acenos nem jogarei beijinhos doces para ninguém. Não sou como aquelas pessoas que ficam jogando beijos para as criancinhas nos braços de suas mamães, como num exercício involuntário de desfiar-se da vida ou desfazer-se da realidade, tentando insensatamente estender uma ponte ao que é mais novo.
Todos os seres humanos são lindos e maravilhosos desde as crianças até aos mais avançados em anos. Por que me arriscar a perder a grandeza deste exato momento e vender uma ilusão de que daqui a pouco será muito mais maravilhoso?
Se prometer muito não andarei mais de sandálias de dedos com a camisa solta sobre a calça, sentindo a leveza do vento tocar em minha face. Não prometo nada a ninguém neste final de ano. Não vou entrar nesta onda. Alguém dirá com certeza: "mas isto já é prometer!" O que me importa esta crítica cega dita de baixo para cima de um ser humano que vive de ponta cabeça! Agora mesmo escutei o chiar noturno de uma coruja.
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