sábado, 23 de julho de 2011

NINFA RESSURGE NA AVENIDA

NINFA RESSURGE NA AVENIDA

José Luiz Teixeira do Amaral

Ela sai com os cabelos soltos ao vento,
como os cachos das espigas de milho
balançam suas toucas reluzentes ao
frescor da brisa que se acordou mais cedo,
e destrançada e leve, desliza suave
como os lábios dos amantes se entrecruzam
nos átrios mais abundantes dos mistérios
e dos desejos que florescem à superfície
da pele, assim como as ramas se reorganizam
na textura das pedras e alcançam acima de
suas profundidades as alturas preponderantes;
ela que leva em sua simplicidade o perfume
do paraiso celeste, pois busca no mais
profundo da natureza a verdade de sua veste,
ela que chega junto com a luz solar e presenteia
os que passam com seu sorriso de pluma e sua
elegância de ninfa, num andar que desliza
sob a prancha da avenida e afaga seu movimento
inquieto com seu sabor de fada e se de qualquer
maneira vestida, ela é bela e toda a maravilha
do mundo está nela contida como conchas de estrelas.
Ela é assim mesmo tão linda, porque é singela;
um só homem basta para ver tanta beleza, desde
que este homem seja poeta ou tenha os olhos no
percalço dos caminhos floridos dos bosques sem
que lhe imponha a vontade, sem que lhe domine o desejo,
basta que a noite lhe abra uma cortina de surpresas
ou quem sabe a madrugada lhe levite sobre a bruma
e o eleve acima de seus momentos mais inusitados,
pois ela sai assim com os cabelos soltos
e ninguém tem o direito de fechar as portas do
sentimento e nem colocar pedágios nas vias da intuição
do cantador presente, do inspirado bardo que capta
as fagulhas que sobressaem dos relampejos mais importantes,
que se descortinam naqueles instantes onde nem mesmo
os que vivem sonambolizados entre o aparente e o que
gira todos os movimentos mais silenciosos do universo.
É assim mesmo que ela sai, ela não penteia seus cabelos
e no entanto ela é mais bela que todo o bailar dos tangos
e vai além das palavras mais sublimes que emolduram os versos,
assim dirão os que são sensiveis, que em certa rua, em
certo dia, passou certo alguém que brilhou por fora
os muros, iluminou as árvores sem primavera, trouxe os
frutos fora do outono, encantou a todos que boquiabertos
passaram o resto do dia a sorrir, amar e a perdoar todos
os males que outros os fizeram, porque ela caminhou assim desfeita,
e ela se foi assim perfeita, assim tão linda, assim tão bela,
ela se foi, porque assim tudo se vai, tudo se esvai, tudo se
escorrega entre os dedos das mãos, como se despojam os carinhos,
como se diluem os momentos que se sucedem aos momentos que se
sucedem aos momentos, e assim despenteada ela reconfigurou com
arte o que estava fora do lugar, o que necessitava ressurgir,
e provou com sua candura que os girassóis nascem por toda a parte.

terça-feira, 19 de julho de 2011

ANJO GABRIEL ANUNCIA CRIANÇA EM SÃO PAULO

Do meu livro LEMBRANÇAS DE OUTONO

Os dois amigos jogavam sinuca no bar. Sinucão! Você sabe o que é isto? Não são aquelas sinuquinhas de meia sola dos barzinhos de esquina. É grandona mesmo. Remanescente do tempo do tango de Gardel.
Beliscam uns salgadinhos e tomam suas cervejinhas. Sempre aos domingos à tarde.
Aproxima-se deles um jovem: "Boa tarde!"
"Boa tarde!" Respondem os dois. "Você quer jogar um pouco de sinuca com a gente?"
"Não, nem pensar! Não jogo, não bebo, não fumo!"
"Qualé rapaz, então o que você veio fazer aqui?"
"Eu vim anunciar?" "Anunciar, anunciar o quê?"
"Vim anunciar que a Sônia está grávida recentemente e vai ganhar um menino!"
"Você é algum anjo por acaso? Parece que conheço esta estória!"
"Sim, sou o anjo Gabriel!"
"Olhe aqui, seu Gabrí, cadê suas asas? Anjos tem asas! Até que você é louro igual a anjo, mas cadê?"
"Elas estão aqui debaixo de minha capa! Dê uma olhada!"
"Nossa Carlinhos! Não é que o cara é mesmo o Anjo Gabriel! Ou nós estamos bêbados?"
"Sou o anjo Gabriel sim, José e vim anunciar que sua noiva Soninha está grávida!"
"Meu Deus, não esperava por esta notícia, não estou preparado para isto!"
"Pois bem, José e este garoto é fora de série. Ele vai ensinar muitas coisas boas para a humanidade. Vai mostrar que jogar demais e beber demais, deixando a família em casa não é uma coisa certa!"
"Mais uma que eu não esperava. O meu filho vai atrapalhar a minha própria vida?"
"Já que você não esperava por tudo isto, não precisa se desesperar não. O filho não é seu. É de um colega de serviço de Soninha! Adeus José!"

UM CRIME PSICOLÓGICO

Do meu livro LEMBRANÇAS DO OUTONO

O corpo estava estendido sobre a calçada do velho casarão. Outrora depósito de café do ex-IBC. Por ironia do destino o extinto se chamava IRANILDO BENEDITO COSTA.
Coincidência? Sincronia? Este não é o momento para se discutir metafísica ou Jung.
Talvez Kafka poderia entrar derrapando pela beira do conto.
A faca periciada penetrou-lhe na altura do intestino e atingiu-lhe também o fígado. Cena dramática. Carros de polícia rondam por todos os lados.
À frente um posto de gasolina. Movimento intenso. Combustivel caro. Vida barata demais.
Do outro lado uma loja de amortecedores. Ironia do destino de novo? Talvez, para quem observa aquele minúsculo homenzinho (perdoem-me o exagero na explicação), sentado com olhar em êxtase e nas mãos um pedaço do paletó do morto!
"Ah! Não!" Suspira o sargento, enquanto o empacota na algema.
"Ah! Não?" Foi exatamente esta expressão a causa mortis de Iranildo, quando viu-se frente a frente com aquele inesperado homenzinho.
Se tamanha foi a sua surpresa, não pode oferecer o mesmo à sua filhinha de oito anos, em seu aniversário. Seu sonho: uma festa para crianças sendo servida por um garçom anão!
O complexo do pequenino homem falou mais alto que a santa intenção de Iranildo.

ET E OVNI INVADEM METRÓPOLE

Do meu livro LEMBRANÇAS DO OUTONO

Marcos colocou o filme para rodar. Sábado à tarde. Quente como nunca. Invasão de extraterrestres! Já havia prometido à sua amada que passaria na próxima oportunidade ou na última que tivesse.
Joana se espicha. Apanha uns biscoitos na mesinha do centro. Puxa um pouco a cortina. O sol não está brincando de bonzinho.
"Marcão, você acredita em ET'S?" "Claro, imagina este universo com bilhões de galáxias, trilhões de anos luzes seus não dariam para chegar nem no fundo da casa de sua via láctea!"
"Mas quem vai viver tanto tempo assim, para chegar até aqui Marcão?"
"Quem? Você fala na linguagem espaço/tempo terrestre. Eu falo em outra velocidade a nivel da energia pensamento! É outra coisa totalmente diferente! Você ainda não percebeu? Eles já estão no meio de nós!"
"Cruzes, não me fale assim que já estou morrendo de medo. Não consigo nem engolir este biscoitinho! Mas... você já viu Marcão, a cara do 601. Ele mudou para cá junto com a gente. Ele tem uma cara esquisita. Parece ET. E quer saber de uma coisa. Ele parece com você. Tem hora que você tá estranho!"
O filme vai rodando.
"Marcão, olha as orelhas dele! São meio pontudas iguais as suas!" "Joana e daí? Com os meus cabelos compridos consigo disfarçá-las numa boa. Até hoje ninguém notou nada diferente em mim!"
"É? Você viu as unhas dele?" "Eu sei Joana. Mas eu corto minhas unhas todo final de semana, de modo que elas não se entortam. É assim mesmo. Uma questão de se adaptar. Não tem nada de anormal!"
"Mas as sobrancelhas deles parecem de plástico, iguais as suas!"
"Joana, eu não lhe disse do acidente e que fiz plástica!"
Um clarão se abre no aparelho de televisão e invade toda a sala. Uma nave se posiciona no fundo da tela em 3D. Dois focos se estendem a Joana e Marcos sugando-os.
Joana, sim. Marcos? Que Marcos! XY 4386!
Se até os brutos também amam, por que não os ET'S?

LADRÃO QUE NUNCA FOI LADRÃO

Extraido do meu livro LEMBRANÇAS DO OUTONO

Raul saiu apressadamente da padaria com um embrulho de pão e outro de leite. Rápido como um The Flash querendo superar o Eclesiastes ao ultrapassar o vento. Entrou rapidamente no carro verde-oliva, novinho em folha, cheirando capim gordura de manhã na beira do barranco.
O celular no banco do carona toca. Atende: "Vagabundo, ladrão safado, você vai ter comigo! Entrou numa fria meu!"
Não entende nada do que está passando. Acelera. Atravessa o deserto do sinai do sinal vermelho, enquanto o trânsito parece embrenhado em algas marinhas. Lembranças.... A praia? Só daqui a duas semanas. O celular de novo: "Pensa que vai me enganar? É ruim, einh? Já estou no teu encalço!".
Raul olha pelo retrovisor. Percebe um carro em vai e vem, cruzando e costurando o que for de brecha no meio daquela muvuca. Marca de zorro somada com buzina.
Não entende nada. Acelera mais e mais. Precisa escapar daquela incompreensivel perseguição.
Resolve voltar pelo quarteirão. Dobra a direita. Fura o sinal. Os caras atrás. O primeiro tiro quebra o vidro traseiro.
O segundo tiro acerta-lhe o ombro direito. O celular toca de novo. Não dá para atender. Vai na mesma marcha. Quarta direto.
A padaria aparece na frente. Percebe seu carro verde-oliva perto da banca de revistas. O vendedor da concessionária falara que era o único! Único? Foi só argumento de venda!
Joga-se para cima de seu carro. Colidi brutalmente. Uma bala atravessa-lhe a cabeça.
Já não se pode mais fazer poemas como Garcia Lorca, neste mundo também maluco. "Verde que te quiero verde?" Mas quem sabe....."verde carne, pelo verde, soñando en la mar amarga."
Garcia Lorca com seu poema ROMANCE SONÂMBULO e este conto que bem poderia chamar-se: LA MUERTE SONÂMBULA!