domingo, 1 de agosto de 2010

GEIR NUFFER CAMPOS SE ESQUIVA DAS BALAS MILITARES

Geir Nuffer Campos é um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos. Foi meu amigo particular e sem nenhuma dúvida um segundo mestre de minha existência. Um dos melhores tradutores em alemão para a lingua portuguesa, permitindo-nos uma leitura mais precisa dos grandes ícones da cultura alemã. Meu primeiro contato com Geir foi em Niterói, onde morava. Consegui estar facilmente com ele, dando um drible nas feras da repressão, pois para muitos Geir estava escondido numa favela carioca. Realmente esteve, mas poucos sabem que além da habilidade literária, ele também conhecia a arte do disfarce. Ele até brincou comigo: você está deixando de ver as meninas na praia, para visitar um velho fugitivo. Eu respondi: a praia não está para peixe, meu velho! A partir daí estava dada a senha do momento, para uma sólida amizade de confiança em punho.
Como ele mesmo dizia, Nuffer não era tão ariano como se pensava, pois corria em seu sangue os gens dos filhos de Israel, ainda ajudado pelo cristão novo Campos. Longa vida de perseguição pelos séculos, talvez tenha dado em sua estrutura física e anímica as barricadas da resistência.
Fui designado para receber Geir em Vitória naquele alvorecer dos anos 70. Encontramo-nos em uma banca de revista na Praça Oito, pois deveria levá-lo até a casa de Olival Mattos Peçanha, poeta e professor. Tatagiba estava comigo neste empreendimento memoravel da literatura nacional. Geir pediu um jornal do Rio para ler. Eu perguntei-lhe: você tem vontade de ler o jornal de hoje? Vivíamos naquele momento um dos períodos mais repressivos do Regime de Terror Militar.
Geir deu-me uma parte do jornal e outra a Tatagiba e respondeu: com esta neblina de vento sul em Vitória, este jornal pelo menos serve como guarda-chuva! E se os militares nos quiserem metralhar ao som do AI5, nós colocamos o jornal na frente e as balas não nos pegarão mais do que já pegaram conforme suas páginas.
Saimos cavando túneis pela avenida conversando o menos possivel. Geir já havia nos advertido que se por acaso ele fosse preso, que nós mantivéssemos em silêncio e informassemos à sua família em Niterói e a toda classe intelectual possivel. Por esta razão caminhávamos como desconhecidos.
Na casa de Olival era outro Geir que sorria, tomava cafezinho e conversava sobre tudo além de literatura. Em sua aparência judaica notava-se a mesma fibra de José do Egito na prisão ou de Abraão diante do Faraó, diante suas perguntas insinuosas sobre Sarai. Mas sentiu-se em casa. Geir gostava de se sentar numa cadeira diante de uma mesa simples com uma toalha lavada a anil e cheirando alecrim.
Leu vários poemas de Olival. Tatagiba corria seus olhos entre Geir e eu. Tatagiba respeitava Olival, mas não era muito afeito à sua obra, pois Olival escrevia somente poesia concreta, influenciado pela geração dos anos 60.
Geir foi categórico: você precisa de dar uma leveza em seus poemas, caro amigo! Era mais ou menos isto que Tatagiba pensava.
Na volta Geir nos falou que se Olival não amaciasse sua veia literária ele acabaria escrevendo palavras cruzadas. Palavras cruzadas!!!!! Sorriu Tatagiba. Se não acabar escrevendo um novo dicionário! Respondi.
Descemos da casa de Olival e pela Vila Rubim ganhamos a Avenida Jerônimo Monteiro, ainda caminhando no maior sigilo possivel. Deixamos Geir Campos no Hotel, sem nos despedir dele em público, passando direto pela porta do hotel, enquanto Geir entrava vagarosamente.
Imaginem vocês, minha gente, eu e Tatagiba estávamos com Geir Nuffer Campos sem que ninguém percebesse isto diretamente! Este era o País que vivíamos. Dois jovens escritores em contato com um dos maiores poetas e tradutores da Lingua Portuguesa, num encontro típico de um campo de concentração. Ainda tem gente por aí que diz que aquele regime era bom!
Para imitar o profeta Jeremias, digo que coloco a boca no pó das minhas lembranças, para ver se encontro esperança. Esperem meu próximo artigo, enquanto limpo as teclas do meu computador molhada por minhas lágrimas.

Prof. José Luiz Teixeira do Amaral

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