sábado, 28 de agosto de 2010

SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO: SER E NÃO SER

SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO: SER E NÃO SER
Prof. José Luiz Teixeira do Amaral, FRC

Em grego, ser é ON e não-ser é ME ON. O caminho da verdade é ALETHEIA e o da simples opinião é DOXA. Procurarei provar o enunciado acima, valendo-me da práxis do pensamento pré-socrático, pois acredito que quanto mais estiver distante do desvio provocado pelo pensamento platônico/socrático/aristotélico, ou seja, quanto mais me aproximar da origem de onde eclodiu a pureza do pensamento, mais perto estarei do esclarecimento deste enunciado.
Assumindo um comportamento similar aos antigos pensadores gregos de vinte e seis séculos atrás, começo a observar o mundo que me rodeia. Andando ao lado de Parmênides e Heráclito, meus pés sentem o piso frio do apartamento e em segundos ganho a janela de frente que dá para o pátio. Lá embaixo observo uma árvore frondosa. Um homem está sentado em um banco lendo um jornal. Um gato espreguiça sob um carro. Sinto um cheiro gostoso de comida que vem do apartamento ao lado. Percebo o som de uma música do Rei Roberto Carlos, mas também ouço o choro de uma criança. Há um odor de pinho sol que vem do banheiro. O calor está insuportável.
Posso dizer que estas coisas não existem? Na minha mente passam milhões de pensamentos simultaneamente e não tenho absoluta certeza de que os estou pensando e se meu cérebro (meu cérebro?) não é mais do que um porto onde quase todos eles ancoram. Porém, estas coisas estão aí realmente onde e como estão. Espera um pouco... onde e como... Começo a divagar de outra forma. Faz algum tempo que moro aqui. Aquela árvore era pequenina, o gato não existia, o cheiro da comida já passou, o do pinho sol está ficando mais fraco e Roberto canta outra canção para uma mamãe que conseguiu fazer sua criança dormir.
O mundo não parou. As coisas vão mudando de forma, de lugar, de espessura, de intensidade a cada segundo que passa. A criança que dorme, amanhã é outro homem lendo jornal. Sinto que há um constante devir, uma mudança ininterrupta nesta observação de mundo. O gato só será a cada segundo mais gato, enquanto for a cada segundo menos gato. O mesmo sucede com a árvore que vai abrindo seus galhos e se conceituando árvore à medida que encontrar a sua última primavera. Pelo caminho da doxa, estou no âmbito do não-ser.
Partindo deste pressuposto, o mundo não é. Os entes vão passando pela tela da vida, como aquelas sombras vão se deslizando pela tarde até encontrar-se com a grande sombra da noite. Parece a este ver, que o rio da vida desemboca no mar do esquecimento, no abismo do nada. O gato, o homem, a árvore, o som, os pensamentos não estão parados no tempo. Não posso inclusive deter este segundo, pois ele é escorregadio. É como um surfista brincando nas brumas da existência. Vão aparecendo outros segundos, minutos, outras horas, outros dias, meses, anos, cataclismos estelares, buracos negros, galáxias, etc.
Será esta realidade uma verdade inegável ou será uma ilusão, ou outro tipo de coisa a pensar? Não posso negar que é uma realidade, mas sou obrigado a aceitar que ela é constantemente mutável. Primeiramente via aqueles objetos, pela minha estrada sinuosa da DOXA, porém comecei a perceber que não estavam parados, que se movimentam em si mesmo e que só se conseguem manter negando a sua própria existência. Agora já começo a perceber que há um fluxo de mudança nas coisas sensíveis e que posso até pensar que elas em si sejam uma ilusão, partindo do pressuposto de que o valor de sua existência consiste na assertiva de sua própria negação.
Mas busco o ser. O ser é aquele que é. Aquele que não teve princípio. Ora, se tivesse princípio teria que vir de outro ser e perguntaria de onde veio este pré-ser? Então o ser comporta sua própria unidade e afirmativa de si mesmo, sendo inclusive idêntico a si, pois não há outro ser. Então o ser é uno, sendo que o que é uno não é múltiplo, de onde veio a multiplicidade das coisas? Uma vez que elas são passageiras, pelo caminho da doxa, com certeza vem da ilusão de nossa percepção. Ainda posso pensar que o ser teria fim. Mas depois do fim, sendo que para ter fim tem que haver espaço e tempo, haveria outro ser? Desta forma a resposta como um trampolim me jogaria na mesma pergunta outra vez. Neste momento já percebo que o ser é infinito. Infinito não quer dizer que não tem fim. A palavra infinito sofreu uma deturpação ao longo do tempo. Infinito é quando encontro um momento onde não é mais possível haver dividendo, divisor e quociente. É o âmbito do ser. É a instância bem além de onde não nos deixamos mais se enganar pela ilusória aparente das coisas.
Porém, existe um permanente movimento silencioso, que em sua superfície produz em nossos sentidos, a impressão que temos do universo. Todas as coisas, embora sejam uma, se diferenciam pelo campo de vibração provocado pelas emanações energéticas do ser. Este movimento não é lançado em direção nenhuma, à medida que se projeta em todas as direções. Ele também é em si. Além do mais ele não possui um centro físico ou teológico. Seu centro se encontra em todas as partes. O que difere é apenas a vibração que em sua intensidade cria à medida o tempo e o espaço, que nos provoca em nossa consciência a realidade que apreendemos. Este movimento não tem nada a ver com o movimento que estudamos na física, porque ele está antes de toda esta noção de mundo que nós temos.
Observo que todas estas especulações são feitas em nível do pensamento. Portanto no atrium do pensamento, já não me comporto como o cidadão comum. Percebo que as coisas são mutáveis e me recordo de Salomão no Livro de Eclesiastes: tudo é como correr atrás do vento. Tenho consciência que há muito mais coisas além daquelas que percebo. Pelo caminho do pensamento, alcanço a estrada da aletheia e já começo a colher algumas flores. Através do pensamento pressinto o ser. Quanto mais me aprofundo a pensar, mais perto estou de compreender o ser, de alcançar em linguagem mística, o sanctum dos sanctum, dentro do templo. Se elevo o pensamento ao seu quadrado, ou seja, consigo pensar o pensamento do pensamento, me torno análogo ao ser. Isto me lembra Jesus, quando diz: Eu e o Pai somos um.
Logo aí está a razão fundamental da frase, ser ou não ser, eis a questão. Compreendo que só posso pensar sobre algo que existe. Não consigo de forma alguma pensar sobre algo que não existe. Então só existe o ser. O resto é uma ilusão dos nossos sentidos. Ou quem sabe seria melhor dizer que tudo é divino e maravilhoso. Ao encontrar esta verdade começo a viver com autenticidade. Alcanço-me a mim mesmo, ou melhor, abraço-me no ser. Assim está comprovado o enunciado acima, que para cada um de nós, ser ou não ser é a principal questão.

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