sábado, 14 de agosto de 2010

PROSTITUTAS, BÊBADOS E LOUCOS PERSONAGENS

Quem não conheceu vivenciando Tatagiba, nada sabe de sua genialidade e as palestras ou páginas que se escrevem sobre ele, são apenas farrapos de sua verdadeira personalidade.
Ele possuia um laboratório vivo de literatura e se de um lado foi pop, do outro foi galileliano, pois era da experienciação prática que ele retirava seus contos e poemas. As ruas, os becos, as lanchonetes, as boites, as praças eram seu ambiente de trabalho. Os personagens eram todos aqueles não mercenários do sistema, heterogeneizados em loucos, prostitutas, bêbados, boêmios e tudo o mais que pela via colateral da sociedade, brotasse nos ancoradouros das cidades.
Nós saíamos para buscar personagens. Lembro-me de um solteirão que morava dúzias de anos em uma pensão. Observávamos, enquanto conversávamos, os seus movimentos, seu paletó desbotado, sua gravata roída e seus sapatos pretos, "cromo alemão!", sempre nos dizia nos encontros. Falava de suas namoradas antigas, declamava Casimiro de Abreu, declinava algumas frases em latim e delirava até onde podia... Ali estava mais um personagem de seus contos. Havia o marujo, uma espécie de europeu vestido de cáqui, muito alto, olhar estranho, andar rápido, que só curtia com sua presença muda, as milhares de estórias que se contava sobre ele: um personagem de peso, para uma análise profunda.
Eram os únicos seres livres daqueles tempos, onde as grades se enchiam de revolucionários e o resto da população não tinha consciência da própria prisão.
Fizemos amizade com um índio jardineiro que era poeta. Morava em uma pensão e seu quarto tinha quatro cadeados. Para esconder o quê? Um volume de poemas que ele acreditava ser a obra prima máxima da poesia brasileira. Não sei se era porque trabalhava com flor, ou por ser poeta medíocre mesmo, suas rimas eram de profunda (??????) riqueza (Deus está vendo!), combinando sempre dor com flor, jasmim com cetim, lírio com delírio (até que esta se aproximava um pouco mais de um concretismo poético), rosa com prosa, dália com mortalha (como soa mal, não é?). A maior parte eram versos de amor para uma irmã de caridade, que era sua paixão, mas que já estava comprometida, pois casara-se com Cristo (!!!!!!).
Este exercício de aprendizagem valeu a pena. Não existe cientista sem experiência, sem método científico. Estas representações sociais examinadas por uma ótica profunda, revelavam a verdadeira essência do absurdo daquela sociedade insana.
Indo de encontro, entre aspas, do outro lado do povo, o lugar não-certinho, não-religioso, não-pontual, encontrávamos uma realidade febril, um verdadeiro cerimonial de idéias e não era uma fuga, mas realmente um encontro com um universo próximo, despercebido, porém rico em suas estruturas desestabilizadas.
Tatagiba foi um gênio sem dúvida alguma, mas também um injustiçado de uma época maldita. Era tão genial, que muitas vezes íamos ao cinema, para acompanhar o trabalho dos artistas coadjuvantes, que ele acreditava ser de melhor qualidade profissional que os principais. Da mesma forma que nas ruas buscávamos os desprezados, nas telas procurávamos pelos garçons, atendentes de hotéis, camareiras, cozinheiros, cuidadores de estábulos, transeuntes entre cenas. Ninguém fez um trabalho inédito igual a este e deixávamos os Alain Delons e as Bardots para toda a platéia.
Sobraram as lembranças e o máximo que posso fazer é juntar-lhe as cinzas para colorir minha saudade.

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